Em meados deste mês, dezembro de 2013, morreu Dona Cléa de Moraes, a diretora da escola onde estudei até os 11 anos - Toca do Coelhinho.
Lembro bem dela, apesar de não estar com ela desde 1979.
Nesses quase 35 anos, muitas vezes tive vontade de reencontrar aquela senhora que carinhosamente conversava comigo nas poucas vezes em que, por algum motivo, fui levado à secretaria. Em uma oportunidade - a pior delas - havia ficado "de guarda" para que outros dois alunos roubassem as carteirinhas em branco para que as pudessem falsificar e entrar no cinema. Eu devia ter uns 10 anos. Sentei à sua frente, com muito medo de ser expulso da escola, de ser forçado a dizer quem estava comigo, de levar a maior bronca de toda a minha vida, mas não, não foi isso que ela fez.
Ela simplesmente me disse que um dia eu iria entender que, na vida, existem dois caminhos a seguir: o da HONESTIDADE, e o da DESONESTIDADE.
Simples assim.
As palavras dela foram tão fortes, que eu jamais deixei de seguir aquele conselho.
Em outra oportunidade, essa talvez a mais importante da minha vida, a escola, que já não ia bem financeiramente, abriu dois cursos extracurriculares, ARTES e FOTOGRAFIA. Eu, com 11 ou 12 anos, me matriculei nos dois. E ninguém mais se matriculou. Sem saber de nada, compareci à aula no primeiro dia, e não havia ninguém na escola, apenas a dona Cléa na secretaria.
Ela me deu a triste notícia, e quando me virei para ir embora, ela me disse que a escola honraria a proposta que havia feito, e eu seria o único aluno dos dois cursos.
Fazendo aqueles dois cursos, que demoraram alguns meses eu acho (digo acho porque quando somos crianças, não temos a exata noção do tempo), aprendi fotografia, desde os primórdios do daguerreótipo até aquele momento presente, onde os filmes Kodakchrome 25 mandavam na indústria. A professora se chamava Gema, e era um espetáculo. Disso eu lembro bem… Rsrsrs!
Aprendi artes. O que é exatamente aprender artes? Aprender artes é um exercício de autoconhecimento. É saber que a arte é algo subjetivo e conceitual, e que ninguém deve desistir por achar que não sabe desenhar direito. Aprendi técnicas de desenho e pintura, captura da forma das coisas, luz e sombra e até massinha. Aprendi a desenhar por trás de espelhos e a fazer bonecos de gesso. Aprendi a fazer papel reciclado e papier mache… Não lembro o nome da "tia", mas encontrei com ela muitos anos depois na rua Duque Estrada…
Hoje sou, graças àquela atitude da dona Cléa, desenhista industrial e fotógrafo. E dou aulas de desenho, procurando ensinar tudo aquilo que me foi ensinado, buscando não transformar pessoas em artistas profissionais, mas mostrando que a arte é uma terapia e ajuda a sanar todos os males. Tenho alunos de 14 anos. E de 96 anos.
Quando optou pelo caminho da honestidade, por manter os cursos para os quais eu havia me matriculado, dona Cléa mudou minha vida. E eu gostaria muito de ter dito isso para ela, e lhe entregado um desenho como forma de agradecimento.
Muitos anos depois é que eu soube quem era aquela senhora que me dava conselhos. Soube que sua filha, Sônia Angel, havia sido assassinada pela Ditadura Militar e que ela e o marido dedicaram suas vidas a lutar pelos Direitos Humanos, através do Grupo Tortura Nunca Mais. Maior, muito maior passou a ser a minha admiração.
Hoje eu sou pai, e não posso imaginar o que significa perder um filho, principalmente como ela perdeu. Dona Cléa era doce quando tinha todos os motivos do mundo para ser amarga.
Descanse em paz, dona Cléa.
Um grande beijo!
Nesses quase 35 anos, muitas vezes tive vontade de reencontrar aquela senhora que carinhosamente conversava comigo nas poucas vezes em que, por algum motivo, fui levado à secretaria. Em uma oportunidade - a pior delas - havia ficado "de guarda" para que outros dois alunos roubassem as carteirinhas em branco para que as pudessem falsificar e entrar no cinema. Eu devia ter uns 10 anos. Sentei à sua frente, com muito medo de ser expulso da escola, de ser forçado a dizer quem estava comigo, de levar a maior bronca de toda a minha vida, mas não, não foi isso que ela fez.
Ela simplesmente me disse que um dia eu iria entender que, na vida, existem dois caminhos a seguir: o da HONESTIDADE, e o da DESONESTIDADE.
Simples assim.
As palavras dela foram tão fortes, que eu jamais deixei de seguir aquele conselho.
Em outra oportunidade, essa talvez a mais importante da minha vida, a escola, que já não ia bem financeiramente, abriu dois cursos extracurriculares, ARTES e FOTOGRAFIA. Eu, com 11 ou 12 anos, me matriculei nos dois. E ninguém mais se matriculou. Sem saber de nada, compareci à aula no primeiro dia, e não havia ninguém na escola, apenas a dona Cléa na secretaria.
Ela me deu a triste notícia, e quando me virei para ir embora, ela me disse que a escola honraria a proposta que havia feito, e eu seria o único aluno dos dois cursos.
Fazendo aqueles dois cursos, que demoraram alguns meses eu acho (digo acho porque quando somos crianças, não temos a exata noção do tempo), aprendi fotografia, desde os primórdios do daguerreótipo até aquele momento presente, onde os filmes Kodakchrome 25 mandavam na indústria. A professora se chamava Gema, e era um espetáculo. Disso eu lembro bem… Rsrsrs!
Aprendi artes. O que é exatamente aprender artes? Aprender artes é um exercício de autoconhecimento. É saber que a arte é algo subjetivo e conceitual, e que ninguém deve desistir por achar que não sabe desenhar direito. Aprendi técnicas de desenho e pintura, captura da forma das coisas, luz e sombra e até massinha. Aprendi a desenhar por trás de espelhos e a fazer bonecos de gesso. Aprendi a fazer papel reciclado e papier mache… Não lembro o nome da "tia", mas encontrei com ela muitos anos depois na rua Duque Estrada…
Hoje sou, graças àquela atitude da dona Cléa, desenhista industrial e fotógrafo. E dou aulas de desenho, procurando ensinar tudo aquilo que me foi ensinado, buscando não transformar pessoas em artistas profissionais, mas mostrando que a arte é uma terapia e ajuda a sanar todos os males. Tenho alunos de 14 anos. E de 96 anos.
Quando optou pelo caminho da honestidade, por manter os cursos para os quais eu havia me matriculado, dona Cléa mudou minha vida. E eu gostaria muito de ter dito isso para ela, e lhe entregado um desenho como forma de agradecimento.
Muitos anos depois é que eu soube quem era aquela senhora que me dava conselhos. Soube que sua filha, Sônia Angel, havia sido assassinada pela Ditadura Militar e que ela e o marido dedicaram suas vidas a lutar pelos Direitos Humanos, através do Grupo Tortura Nunca Mais. Maior, muito maior passou a ser a minha admiração.
Hoje eu sou pai, e não posso imaginar o que significa perder um filho, principalmente como ela perdeu. Dona Cléa era doce quando tinha todos os motivos do mundo para ser amarga.
Descanse em paz, dona Cléa.
Um grande beijo!
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Marta Nolding