Toda vez que vou a um restaurante e não recebo o prometido, lembro desse texto... que escrevi em 2016
FOOD TRUCK
De vez em quando aparece alguém nas feiras gastronômicas querendo um food truck. A crise fez com que muitos perdessem seus empregos, recebessem alguma indenização e pensassem seriamente em empreender. Acho a idéia excelente, afinal, nunca tive um emprego…
Há uns 15 dias uma mãe me abordou em um evento. Disse que o filho era engenheiro de segurança da Petrobras e havia sido despedido. Tinha a ideia de montar um food truck e colocar alguém para administrar… Me pediu para explicar um pouco do universo da comida de rua.
Vamos lá:
_Seu filho tem disposição? Eu estou há 15 horas em pé, já carreguei caixas de 40 Kg, já fui 2 vezes ao supermercado hoje, já cozinhei durante 3 horas e já me queimei. Estou acordado desde as 4:30h da manhã.
“_Cruzes! Você não é o dono? Por que não vai para casa?”
_Porque é o olho do dono que engorda o boi!
Quer um food truck? Compre. É muito divertido participar dos eventos, ver as notas de 50 e de 100 entrando no caixa, receber elogios pelo sabor de seus sanduíches, ter seguidores, conversar com todo o tipo de pessoas, mas o backoffice, a coisa por trás do divertimento, é pauleira.
Tem o cardápio. Se você não tem cardápio fixo, terá que pensar no que vai ser servido, ter uma idéia do público e, principalmente no que comprar, para atender a um número X de pessoas, não faltar e nem sobrar muito. Terá que produzir X porções, ter uma estrutura capaz de suprir a demanda de itens e saber criar novos pratos se alguns dos ingredientes que precisa não estiverem disponíveis (Ah, a maldita rapadura!). Para tanto, precisará ir ao supermercado, saber os dias das promoções e comprar bem. De nada adianta fazer estoque grande de um produto e empatar dinheiro…
_Seu filho gosta de cozinhar?
“_Não sabe nem fritar um ovo… Mas ele pode contratar um cozinheiro, não pode?”
_Pode, mas e se o cozinheiro faltar? E se o cozinheiro criar um produto de sucesso, como o meu Anna’s Burger? De quem é o produto? De seu filho? Ou do cozinheiro?
_Seu filho, no caso do hambúrguer, terá que desenvolver um tempero próprio, uma identidade. Precisará saber ficar no caixa, na chapa, na montagem. Entender um pouco de elétrica, pois nesses eventos nem tudo é o que parece. saber fazer pequenos consertos, operar um maçarico sem fritar a mão do montador, ter disposição para sair correndo e “se virar nos 30” para resolver qualquer problema. Eu até botijão de gás numa sacristia já pedi emprestado…
Não é estranho para um truckeiro ficar 8, 10 horas sem poder fazer xixi, em uma correria desenfreada, com fila de 50 pessoas no balcão, e chegar no evento e não ter energia elétrica…
_Pô, meu truck é todo elétrico…
Pensasse nisso na concepção do projeto. De nada adianta comprar um trailer pronto, de algum serralheiro que nunca fez um projeto na vida. Se a sua coifa não suga a fumaça corretamente, se a luz é insuficiente, se as suas costas doem uma barbaridade ou se você não tem espaço para trabalhar, houve um erro de projeto. Quem projetou não estava apto a fazê-lo.
Já se você vende pouco em um evento onde o vizinho atrai todos os olhares, faltou designer em seu projeto. De nada adianta fazer o que todo mundo já tem. A economia mais porca em um projeto é no branding. Sem uma marca forte, uma identidade visual capaz de torná-lo diferente no meio de um monte de expositores, não adianta acreditar que copos ou pratos personalizados, ou uma TV de 50 polegadas com fotos bonitas, vão fazer você vender mais. Se a fórmula fosse essa, o Mercado Livre e o OLX não estariam cheios de trucks e trailers a venda.
MARCA não se faz em casa. Você iria em um dentista autodidata? Não? Então não acredite no seu poder de fazer uma marca!
E a mão de obra? Eu tenho parceiros de trabalho que resolvem meus problemas, mas toda equipe tem que ser ajustada o tempo todo.
E o checklist? Pão, hambúrgueres, fritas, guardanapos, refrigerantes, cerveja, óleo, coolers, isopor, gás, gás para os maçaricos, encher a caixa d’água, papel acoplado, documentação (viva a Emília!), molhos, bacon frito, bacon moído, bacon cru, alface lavado e seco, tomate cortadinho com a mesma espessura, escumadeira, cestas das fritadeiras, estojo de primeiros socorros (sim, corta-se o dedo, queima-se), troco (notas de 20, 10, 5, 2 e moedas de 1), ver se a maquininha está OK, uniformes da equipe, luvas descartáveis em 2 tamanhos, comandas, cardápios plastificados, giz, canetas funcionando, som, microfone, refletor,lanternas, caixa de ferramentas, parafusos e arrebites, extensões (tenho 7), lâmpadas de LED sobressalentes, conversores de voltagem, multímetro (tem-se que poder discutir com o eletricista que afirma estar entregando 220 volts e entrega de verdade 200), material de limpeza, telefone de um fornecedor de gelo perto do local do evento, e por aí vai.
Quem vai carregar tudo isso? Normalmente eu carrego, umas 3 horas antes de sair. Escada, mesas e cadeiras, mesas para o caixa, guarda-sol para o caixa, saco de lixo, 3 lixeiras (uma para o cliente, uma para o chapa e uma para a montadora), cardápio impresso para a montadora afixar na parede, baterias carregadas (se faltar luz, meu truck continua aceso e vendendo), copos descartáveis, garfinhos e embalagens para as batatas, sacolas para a viagem, sacos de papel de pão e bebidas para a equipe. Pilhas pra o termômetro, manual do caminhão e certificado do curso de Boas Práticas no Manejo de Alimentos, realizado na ANVISA, de forma presencial.
Etiquetas de fabricação e validade em tudo, potes para cada ingrediente e por aí vai. Cada um tem a sua checklist. O que vale é chegar lá e ter tudo a mão.
“_Nossa, meu filho. Dá muito trabalho isso. Meu filho gosta de ir para a praia, namorar, projetar…”
_Minha senhora, de segunda a sexta eu sou desenhista industrial e fotógrafo. Só descrevi a minha atividade com o truck. Se eu for falar em PROJETAR, com a senhora, levaremos alguns dias. Tome meu cartão. Eu projeto o food truck de seu filho, desenvolvo as receitas, crio o branding, e tudo o que é necessário para ele trabalhar.
“_E o seu, você vende?”
_Sim senhora, vendo o meu. E semana que vem compro um trailer e começo tudo de novo.
“_Então é bom negócio?”
_Sim, senhora, excelente negócio. Mas vamos esquecer praia e papo para o ar.
E assim se vai vivendo, de ponto em ponto, conversando com pessoas muito diferentes e muito parecidas. Não existe milagre, existe suor. Se o cara não tem disposição, não fica.
Bom feriado para todos. A chapa me espera!
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